quinta-feira, 19 de maio de 2011

José de Alencar - Romance Romântico Indianista

José de Alencar, advogado, jornalista, político, orador, romancista e teatrólogo, nasceu em Mecejana, CE, em 1o de maio de 1829, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de dezembro de 1877. É o patrono da Cadeira n. 23, por escolha de Machado de Assis.
Era filho do padre, depois senador, José Martiniano de Alencar e de sua prima Ana Josefina de Alencar, com quem formara uma união socialmente bem aceita, desligando-se bem cedo de qualquer atividade sacerdotal. E neto, pelo lado paterno, do comerciante português José Gonçalves dos Santos e de D. Bárbara de Alencar, matrona pernambucana que se consagraria heroína da revolução de 1817. Ela e o filho José Martiniano, então seminarista no Crato, passaram quatro anos presos na Bahia, pela adesão ao movimento revolucionário irrompido em Pernambuco.

As mais distantes reminiscências da infância do pequeno José mostram-no lendo velhos romances para a mãe e as tias, em contato com as cenas da vida sertaneja e da natureza brasileira e sob a influência do sentimento nativista que lhe passava o pai revolucionário. Entre 1837-38, em companhia dos pais, viajou do Ceará à Bahia, pelo interior, e as impressões dessa viagem refletir-se-iam mais tarde em sua obra de ficção. Transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai desenvolveria carreira política e onde freqüentou o Colégio de Instrução Elementar. Em 1844 vai para São Paulo, onde permanece até 1850, terminando os preparatórios e cursando Direito, salvo o ano de 1847, em que faz o 3o ano na Faculdade de Olinda. Formado, começa a advogar no Rio e passa a colaborar no Correio Mercantil, convidado por Francisco Otaviano de Almeida Rosa, seu colega de Faculdade, e a escrever para o Jornal do Commercio os folhetins que, em 1874, reuniu sob o título de Ao correr da pena. Redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro em 1855. Filiado ao Partido Conservador, foi eleito várias vezes deputado geral pelo Ceará; de 1868 a 1870, foi ministro da Justiça. Não conseguiu realizar a ambição de ser senador, devendo contentar-se com o título do Conselho. Desgostoso com a política, passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.

A sua notoriedade começou com as Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, publicadas em 1856, com o pseudônimo de Ig, no Diário do Rio de Janeiro, nas quais critica veementemente o poema épico de Domingos Gonçalves de Magalhães, favorito do Imperador e considerado então o chefe da literatura brasileira. Estabeleceu-se, entre ele e os amigos do poeta, apaixonada polêmica de que participou, sob pseudônimo, o próprio Pedro II. A crítica por ele feita ao poema denota o grau de seus estudos de teoria literária e suas concepções do que devia caracterizar a literatura brasileira, para a qual, a seu ver, era inadequado o gênero épico, incompatível à expressão dos sentimentos e anseios da gente americana e à forma de uma literatura nascente. Optou, ele próprio, pela ficção, por ser um gênero moderno e livre.

Ainda em 1856, publicou o seu primeiro romance conhecido: Cinco minutos. Em 1857, revelou-se um escritor mais maduro com a publicação, em folhetins, de O Guarani, que lhe granjeou grande popularidade. Daí para frente escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios e polêmicas literárias, escritos políticos e estudos filológicos. A parte de ficção histórica, testemunho da sua busca de tema nacional para o romance, concretizou-se em duas direções: os romances de temas propriamente históricos e os de lendas indígenas. Por estes últimos, José de Alencar incorporou-se no movimento do indianismo na literatura brasileira do século XIX, em que a fórmula nacionalista consistia na apropriação da tradição indígena na ficção, a exemplo do que fez Gonçalves Dias na poesia. Em 1866, Machado de Assis, em artigo no Diário do Rio de Janeiro, elogiou calorosamente o romance Iracema, publicado no ano anterior. José de Alencar confessou a alegria que lhe proporcionou essa crítica em Como e porque sou romancista, onde apresentou também a sua doutrina estética e poética, dando um testemunho de quão consciente era a sua atitude em face do fenômeno literário. Machado de Assis sempre teve José de Alencar na mais alta conta e, ao fundar-se a Academia Brasileira de Letras, em 1897, escolheu-o como patrono de sua Cadeira.

Sua obra é da mais alta significação nas letras brasileiras, não só pela seriedade, ciência e consciência técnica e artesanal com que a escreveu, mas também pelas sugestões e soluções que ofereceu, facilitando a tarefa da nacionalização da literatura no Brasil e da consolidação do romance brasileiro, do qual foi o verdadeiro criador. Sendo a primeira figura das nossas letras, foi chamado “o patriarca da literatura brasileira”. Sua imensa obra causa admiração não só pela qualidade, como pelo volume, se considerarmos o pouco tempo que José de Alencar pôde dedicar-lhe numa vida curta. Faleceu no Rio de Janeiro, de tuberculose, aos 48 anos de idade.



CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

José de Alencar é considerado o maior romancista do Romantismo brasileiro, bem como um dos maiores de nossa literatura. Abrangeu em sua obra todo um perfil da cultura brasileira, na busca de uma identidade nacional que transcorresse o seus aspectos sociais, geográficos e temáticos, numa linguagem mais brasileira, tropical, sem o estilo português, que até então rodeava os livros de outros romancistas. Conseguiu escrever de forma primorosa sobre os mais importantes temas que estavam em voga na literatura da época, descrevendo desde a sociedade burguesa do Rio até o índio ou o sertanejo das regiões mais afastadas. Toda a sua extensa gama de romances pode ser dividida em quatro temas distintos: romance urbano, romance indianista, romance regionalista e romance histórico.

O romance urbano de Alencar segue muitas vezes o padrão do típico romance de folhetim, retratando a alta sociedade carioca com todas as suas belas fantasias de amor. O romancista, no entanto, vai além: por trás de toda a pompa e final feliz onde todos os segredos e suspenses que se desenvolvem nas complicadas tramas são desvendados, está a crítica, a denúncia da hipocrisia, da ambição e desigualdade social. Alencar se especializou também na análise psicológica de suas personagens femininas, revelando seus conflitos interiores. Essa análise de caráter mais psicológico do interior das personagens remete sua obra a características peculiares dos romances realistas, sobretudo de Machado de Assis. Estes são seus romances urbanos: Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucíola, Diva, A Pata da Gazela, Sonhos d'Ouro, Senhora [ver Antologia] e Encarnação.

As obras indianistas revelam sua paixão romântica pelo exotismo, encarnado na figura do índio, com todos os seus costumes, crenças e relações sociais. Sua descrição sempre se opõe à imagem do homem branco, "estragado" e corrompido pelo mundo civilizado. O índio de José de Alencar ganha tons lendários e míticos, com ares de "bom selvagem". Sua descrição muitas vezes funde seus sentimentos com a beleza e a harmonia exótica da natureza. Caracterizando a bondade, nobreza, valentia e pureza do selvagem, Alencar às vezes o aproxima dos cavaleiros e donzelas medievais, revelando um pouco dos traços românticos europeus que assolavam nossa cultura. Seus romances indianistas são: O Guarani [ver Antologia], Iracema [ver Antologia] e Ubirajara.

Seus romances regionalistas denotam o interesse e o exotismo pelas regiões mais afastadas do Brasil, aliando os hábitos sociais da vida do homem do campo à beleza natural das terras brasileiras. Se nos romances urbanos as mulheres são sempre enfatizadas, nas obras de cunho regional os homens são figuras de destaque, com toda a sua ignorância e rudeza, enfrentando os desafios da vida, sendo que as mulheres assumem papéis submissos, de segundo plano. Seus romances regionalistas são: O Gaúcho [ver Antologia], O Tronco do Ipê, Til e O Sertanejo.

Com seus romances históricos – As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates – Alencar também buscou na passado histórico brasileiro inspiração para escrever seus romances, criando quase sempre uma nova interpretação literária a fatos marcantes da colonização, como o busca por ouro no interior do Brasil e as lutas pelo aumento das terras nas fronteiras brasileiras. Seus enredos denotam em vários momentos um nacionalismo exaltado e o orgulho pela construção da pátria.

PRINCIPAIS OBRAS

  • Romance
Cinco Minutos (1856); A Viuvinha (1857) O Guarani (1857); Lucíola (1862); Diva (1864) As Minas de Prata (parte inicial: 1862 - obra completa: 1864-65); Iracema (1865); O Gaúcho (1870); A Pata da Gazela (1870); O tronco do Ipê (1871); Sonhos d'Ouro (1872); Til (1872); Alfarrábios ("O Ermitão da Glória" e "O Garatuja") (1873); A Guerra dos Mascates (1873); Ubirajara (1874); Senhora (1875); O Sertanejo (1875); Encarnação (1877).


  • Teatro
Demônio Familiar (1857); Verso e Reverso (1857); A asas de um anjo (1860); Mãe (1862); O Jesuíta (1875).
  • Crônicas
Ao correr da pena (1874).
  • Autobiografia
Como e Porque Sou Romancista (1893).
  • Cartas
A Confederação dos Tamoios (1856); Ao Imperador: Cartas Políticas de Erasmo (1865); Ao Imperador: novas cartas políticas de Erasmo (1865); Ao povo: cartas políticas de Erasmo (1866); O Juízo de Deus (1867); Visão de Jó (1867); O sistema Representativo (1868).



IRACEMA 


Análise


No romance há um argumento histórico: a colonização do Ceará, que se deu em 1606. Nele há a presença de personagens históricos: Martim Soares Moreno, o colonizador português que se aliou aos índios Pitiguaras e Poti, Antônio Felipe Camarão. Através do romance entre Iracema e Martim, José de Alencar romantizou o processo de colonização do Ceará, simbolicamente representativo do processo de colonização do Brasil. Iracema apresenta uma espécie de conciliação entre o branco e o índio, na medida em que romantiza a dominação de um povo pelo outro. Desta forma insere nos códigos artísticos do Romantismo europeu a temática do processo de colonização do país. Com a obra se inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.

Portanto, o espaço da obra é o Estado do Ceará e o tempo é o início do século XVII.

O relacionamento amoroso entre Iracema e Martim pode ser interpretado, simbolicamente, como metáfora, como alegoria representativa do cruzamento das raças indígena e branca, ou seja, o nativo e o europeu colonizador. O desenvolvimento do enredo - ruptura de Iracema com o compromisso de virgem vestal e com sua tribo, sua entrega amorosa, seu abandono e sua morte, deixando o filho Moacir, "aquele que nasce da dor", - todos esses elementos da trama narrativa confirmam a possibilidade de leitura simbólica. A própria construção do personagem Iracema é feita a partir da natureza, de comparações com elementos da fauna e da flora americana , em geral brasileira e mais especificamente do Ceará.

A índia Iracema, que se entrega por amor a Martim, tem a função de simbolizar, no romance, a presença do elemento nacional, da cor local, existente na criação de seus traços físicos, que é feita por comparação com elementos da natureza. Embora psicologicamente Iracema se assemelhe às heroínas românticas européias, constitui, nessa fusão de elementos da cor local com elementos do romantismo europeu, um mito fundador da pátria. De acordo com o romantismo europeu, Iracema pode ser caracterizada como um exemplo de "mulher-anjo" - virgem, delicada, bela, capaz de se sacrificar pelo homem que ama, Martim. Essa característica de Iracema mostra que embora o narrador privilegie os seus sentimentos e pensamentos ao longo da história, idealizando o índio, que ela representa, o seu ponto de vista ao contar torna-se o do branco colonizador, na medida em que "europeiza" e "romantiza" Iracema.

Quanto à importância relativa das personagens, Alencar constrói uma obra inteiramente distinta de O Guarani (e também do posterior Ubirajara, que data de 1874). Em Iracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim domina toda a obra.

Não é difícil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar: Iracema é, num certo sentido (não o da imitação, evidentemente), a transposição de Atala, de Chateaubriand, autor que Alencar confessou ter lido bastante. Temos, pois, o caso de uma composição homóloga, pois apresenta vários pontos em comum: o tema da felicidade primitiva dos selvagens, que começa a se corromper diante da primeira aproximação do civilizado; a idéia do bom selvagem; o amor de uma índia por um estrangeiro; a morte das duas heroínas, o exótico da paisagem; enfim, nas duas obras de um conflito fundamental representado pela oposição de índole dos dois mundos: o da velha civilização européia e o Novo Mundo da América.

O romance, na definição de Machado de Assis, é uma "poema em prosa", é um poema épico-lirico (para Machado de Assis, é um poema essencialmente lírico).

Elementos épicos

- Presença do "maravilhoso" nas epopéias e em Iracema.

O texto é épico por ser narrativo. José de Alencar narra os feitos heróicos dos portugueses na figura de Martim. Iracema, também, é transformada em heroína. O vinho de Tupã que permite a posse de Iracema (presença do "maravilhoso"). Além disso, temos, também, a presença dos deuses indígenas representando as forças da natureza.

Elementos líricos

O amor de Iracema por Martim: Iracema é a heroína típica do romantismo, que padece de saudades do amante, que partiu, e da pátria que deixou. Ela se enquadra dentro de uma corrente luso-brasileira cujo inicio data das cantigas medievais.

Toda a força poética do livro advém dessa relação amorosa. A ação é reduzidíssima, o que dá ao livro o notável espaço lírico de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais poética: a desorientação inicial de Martim, jovem fidalgo português, que se perdera nas matas... O surpreendente encontro com a jovem índia... A hospitalidade do selvagem brasileiro... O ciúme do guerreiro... O amor entre os representantes das duas raças: lracema e Martim... A morada dos dois, afastados da tribo e da civilização... A nostalgia de Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema com a mudança inesperada de seu amado... O nascimento de Moacir, filho da dor, e a morte de Iracema... Essa é praticamente a síntese da fábula do livro.

Foco narrativo

A obra é escrita em terceira pessoa, temos um narrador-observador, isto é, um narrador que caracteriza as personagens apenas a partir do que pode observar de seus sentimentos e de seu comportamento, como se percebe no trecho: "O sentimento que ele (Martim) pôs nos olhos e no rosto não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara." (Capítulo 2), especialmente no momento em que o narrador coloca em dúvida a reação emocional de Martim, flechado por Iracema. O narrador conta a história do ponto de vista de Iracema, isto é, do índio, privilegiando os seus sentimentos e não os de Martim, que representa o branco colonizador.



Enredo

Durante uma caçada, Martim Soares Moreno, personagem histórico responsável pela colonização do Ceará, se perdeu dos companheiros pitiguaras e se pôs a caminhar sem rumo durante três dias.

No interior das matas pertencentes à tribo dos tabajaras, encontra-se com Iracema, filha do pajé Araquém, da tribo dos Tabajaras, "os senhores das montanhas".

Ao deparar-se com Martim, surpresa e amedrontada, a índia o fere no rosto com uma flechada. Ele não reagiu. Arrependida, a moça correu até Martim e ofereceu-lhe hospitalidade, quebrando com ele a flecha da paz. Martim, por quem Iracema se apaixona, vai visitar a sua tribo. Lá encontra Irapuã, o chefe, um rival. Entretanto, o duelo entre ambos é interrompido pelo grito de guerra dos Pitiguaras, "os senhores do litoral", liderados por Poti (Antônio Felipe Camarão, personagem histórico), amigo de Martim.

Nas entranhas da terra, magicamente abertas por Araquém, Iracema esconde-se com Martim e torna-se sua esposa, traindo o compromisso de virgem vestal, sacerdotisa da tribo e portadora do segredo da jurema, o segredo da fertilidade dos Tabajaras.

Durante o sono da tribo propiciado por Iracema, que a leva aos bosques da Jurema, onde os guerreiros podem sonhar vitórias futuras, há o reencontro entre Martim e Poti, que fogem guiados por Iracema. Ela não revela a Martim o que houve entre ambos o himeneu, enquanto o jovem iniciava-se nos mistérios de Jurema, só o fazendo depois da fuga.

Irapuã encontra os fugitivos, trava-se um combate entre os Tabajaras e os melhores Pitiguaras, conduzidos por Jacaúva, irmão de Poti. Nesse combate, Iracema pede a Martim que não mate Caubi ("o senhor dos caminhos"), seu irmão, e por duas vezes salva a vida do estrangeiro. Os Tabajaras debandam, deixando Iracema triste e envergonhada.

Iracema, Martim e Poti chegam ao território Pitiguara, de onde viajam para visitar Batuirité, o avô de Poti, o qual denomina Martim Gavião Branco, fazendo, antes de morrer, a profecia da destruição de seu povo pelos brancos.

Iracema engravida e, acompanhada de Poti, pinta o corpo de Martim, que passa a ser Coatiabo, "o guerreiro pintado", que às vezes tem momentos de grande melancolia, com saudades da pátria.

Um mensageiro Pitiguara leva a Poti um recado de Jacaúna, contando sobre a aliança entre os franceses e os Tabajaras. Poti e Martim partem para a guerra; Iracema fica no litoral, em companhia de uma seta envolvida em um galho de maracujá (a lembrança). Triste, recebe a visita de Jandaia, antiga companheira e trona-se como ela, "mecejana" (a abandonada).

Martim e Poti voltam vitoriosos; Martim sente mais saudades da pátria; Iracema profetiza a própria morte que ocorrerá com o nascimento do filho. Enquanto Martim estava combatendo, Iracema teve sozinha o filho, a quem chamou de Moacir, filho da dor. Certa manhã, ao acordar, ela viu à sua frente o irmão Caubi, que, saudoso, vinha visitá-la, trazendo paz. Admirou a criança, porém surpreendeu-se com a tristeza da irmã, que pediu a ele que voltasse para junto de Araquém, velho e sozinho.

De tanto chorar, Iracema perdeu o leite para alimentar o filho. Foi à mata e deu de mamar a alguns cachorrinhos; eles lhe sugaram o peito e dele arrancaram o leite copioso para voltar a amamentar. A criança estava se nutrindo, mas a mãe perdera o apetite e as forças, por causa da tristeza.

No caminho de volta, findo o combate, Martim, ao lado de Poti, vinha apreensivo: como estaria Iracema? E o filho? Lá estava ela, à porta da cabana, no limite extremo da debilidade. Ela só teve forças para erguer o filho e apresentá-lo ao pai. Em seguida, desfaleceu e não mais se levantou da rede.

Morre Iracema. Suas últimas palavras foram o pedido ao marido de que a enterrasse ao pé do coqueiro de que ela gostava tanto. O sofrimento de Martim foi enorme, principalmente porque seu grande amor pela esposa retornara revigorado pela paternidade. O lugar onde se enterrou Iracema veio a se chamar Ceará.

Martim retornou para sua terra, Portugal, levando o filho. Não consegue permanecer lá. Quatro anos depois, eles voltaram para o Ceará, onde Martim implantou a fé cristã. Poti se tornou cristão e continuou fiel amigo de Martim. Os dois ajudaram o comandante Jerônimo de Albuquerque a vencer os tupinambás e a expulsar o branco tapuia. De vez em quando, Martim revia o local onde fora tão feliz e se doía de saudade. A jandaia permanecia cantando no coqueiro, ao pé do qual Iracema fora enterrada. Mas a ave não repetia mais o nome de Iracema. "Tudo passa sobre a terra."





O GUARANI:


Análise


Escrito originalmente em folhetim, entre fevereiro e abril de 1857, com 54 capítulos, O Guarani teve tal êxito na edição folhetinesca que, antes do fim do ano de 1857, foi publicado em livro, com alterações mínimas em relação ao que fora publicado em jornal.

Mantiveram-se as quatro parte originais: Os AventureirosPeriOs Aimorés e A Catástrofe, com os capítulos dispostos como saíram do folhetim.

O romance se compõe, em grande parte, de personagens e episódios, mas as imagens permanecem na memória e amarram os fios mais importantes da narrativa. São imagens poderosas, que se impõem sobretudo por seu caráter plástico. Por isso, a crítica distingue em Alencar um grande escritor, um grande artista da palavra, mas não compartilha do mesmo entusiasmo quando se refere aos seus enredos, à carpintaria da narrativa, algumas vezes falha (os conhecidos "cochilos" do escritor), e quase sempre previsível quanto às ações das personagens, lineares ou planas.

A narrativa de O Guarani é simples, mas não simplista. Trabalhando habilidosamente as possibilidades e contradições do romance romântico, vale-se com muita liberdade da trama novelesca, da coloração épica, do devaneio lírico, da anotação histórica da efabulação mítica e lendária, do ímpeto ideológico nacionalista e de elevada carga simbólica, tudo isso revestido de uma profusão de luzes e cores que invade a pupila do leitor, como se ele estivesse assistindo a um espetáculo grandioso, povoado pelas forças da natureza e por titãs, absorto pela beleza da cena, mais do que pelos pormenores da intriga.



Enredo

A ação passa-se na primeira metade do século XVII, iniciando-se em 1604. Por meio do flashback, o narrador, ao apresentar o fidalgo D. Antônio Mariz, recua até à fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1567, por Mem de Sá, da qual o pai de Ceci teria participado, combatendo os índios inamistosos e os invasores franceses. Após o desastre português nas areias do Marrocos, em Alcácer Quibir, em 1578, e o subseqüente domínio espanhol, em 1580, D. Antônio Mariz decide-se a permanecer no Brasil, para não submeter ao governo filipino. Decide estabelecer-se na sesmaria que lhe fora concedida por Mem de Sá, em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Coroa Portuguesa. Em 1593, começa a construir uma habitação provisória, até que artesãos do reino edificassem e decorassem o misto de fortaleza, castelo e vivenda, em que se estabeleceu definitivamente com sua família, cavaleiros, agregados, aventureiros etc. Assim como o Frei Antão, protagonista das Sextilhas, de Gonçalves Dias, D. Antônio quer manter na Colônia a integridade do Império Português.

O espaço é o planalto fluminense, a Serra dos Órgãos, às margens do rio Paquequer, afluente do rio Paraíba. A ação principia e termina tendo o cenário o Paquequer; imagem primeira - primordial, plena e pura - que se associa à figura nuclear do protagonista, Peri: "filho(s) indômito(s) desta pátria de liberdade", mas também "vassalo(s) e tributário(s)": o índio, de sua "senhora", Cecília Mariz; o rio, "desse rei das águas", o Paraíba.

D. Antônio Mariz, fidalgo da mais pura estirpe, leva adiante no Brasil uma colonização dentro do mais rigoroso espírito de obediência à sua pátria. Sua casa forte, às margens do rio Paquequer, edificada como verdadeiro castelo medieval, abriga, dentro de um código cavaleiresco semelhante à suserania e vassalagem medievais, ilustres portugueses, afinados ao mesmo espírito patriótico e colonizador. Entre esses cavaleiros e fidalgos insinuam-se aventureiros, mercenários em busca de ouro e prata, liderados por Loredano (ex-frei Ângelo di Lucca), que assassinara um homem desarmado para obter o mapa das famosas minas de prata. Valendo-se da ingênua cordialidade de D. Antônio Mariz, Loredano trama a destruição da nobre família do fidalgo e de seus ilustres agregados. Trama também o rapto de Cecília, filha de D. Antônio. Mas os planos de Loredano esbarram na vigilância constante de Peri, índio da tribo dos goitacás, que, tendo salvo Cecília de uma avalanche de pedras, obteve a mais alta gratidão de D. Antônio Mariz e a amizade de Cecília, que o trata como a um irmão.

A narrativa inicia seus momentos épicos logo após o incidente em que Diogo, filho de D. Antônio, inadvertidamente, mata uma indiazinha aimoré, durante uma caçada. Indignados, os aimorés procuram vingança: surpreendidos por Peri, enquanto espreitavam o banho de Ceci, para logo após assassiná-la, dois aimorés caem transpassados por certeiras flechas; o fato é relatado à tribo aimoré por uma índia que conseguira ver o ocorrido. A luta que irá se travar não diminui a ambição de Loredano, que continua a tramar a destruição de todos os que não o acompanhem. pela bravura demonstrada do homem português, têm importância ainda duas personagens: Álvaro, jovem enamorado de Ceci e não retribuído nesse amor, senão numa fraterna simpatia; Aires Gomes, espécie de comandante de armas, leal defensor da casa de D. Antônio. Durante todos os momentos da luta, Peri, vigilante, não desgruda dos passos de Loredano, frustrando todas as suas tentativas de traição ou de rapto de Ceci. Muito mais numerosos, os aimorés vão ganhando a luta passa a passo. Num momento dos mais heróicos, Peri, conhecendo que estavam quase perdidos, tenta uma solução tipicamente indígena: tomando veneno, pois sabe que os aimorés são antropófagos, desce as montanha e vai lutar "in loco" contra os aimorés: sabe que, morrendo, seria sua carne devorada pelos antropófagos e aí estaria a salvação da casa de D. Antônio: eles morreriam, pois seu organismo já estaria todo envenenado. Depois de encarniçada luta, na qual morreram muitos inimigos, Peri é subjugado e, já sem forças, espera, armado, o sacrifício que lhe irão imprimir. Álvaro (a esta altura enamorado de Isabel, irmã adotiva de Cecília) consegue heroicamente salvar Peri. Peri volta e diz a Ceci que havia tomado veneno. Ante o desespero da moça com essa revelação, Peri volta à floresta em busca de um antídoto, espécie de erva que neutraliza o poder letal do veneno. De volta, traz o cadáver de Álvaro, morto em combate com os aimorés. Dá-se então o momento trágico da narrativa: Isabel, inconformada com a desgraça ocorrida ao amado, suicida-se sobre seu corpo.

Loredano continua agindo. Crendo-se completamente seguro, trama agora a morte de D. Antônio e parte para a ação. Quando menos supõe, é preso e condenado a morrer na fogueira, como traidor. O cerco dos selvagens é cada vez maior. Peri, a pedido do pai de Cecília, se faz cristão, única maneira possível para que D. Antônio concordasse na fuga dos dois, os únicos que se poderiam salvar. Descendo por uma corda através do abismo, carregando Cecília entorpecida pelo vinho que o pai lhe dera para que dormisse, Peri consegue afinal chegar ao rio Paquequer. Numa frágil canoa vai descendo o rio abaixo, até que ouve o grande estampido provocado por D. Antônio, que, vendo entrarem os aimorés em sua fortaleza, ateia fogo aos barris de pólvora, destruindo índios e portugueses. Testemunhas únicas do ocorrido, Peri e Ceci caminham agora por uma natureza revolta em águas, enfrentando a fúria dos elementos da tempestade. Cecília acorda e Peri relata-lhe o sucedido. Transtornada, a moça se vê sozinha no mundo. Prefere não mais voltar ao Rio de Janeiro, para onde iria. Prefere ficar com Peri, morando nas selvas. A tempestade faz as águas subirem ainda mais. por segurança, Peri sobe ao alto de uma palmeira, protegendo fielmente a moça. Como as águas fossem subindo perigosamente, Peri, com força descomunal, arranca a palmeira do solo, improvisando uma canoa. O romance termina com a palmeira perdendo-se no horizonte, não sem antes Alencar ter sugerido, nas últimas linhas do romance, uma bela união amorosa, semente de onde brotaria mais tarde a raça brasileira...

"O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante da virgem um ninho de castos rubores e lânguidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo.

A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia... E sumiu-se no horizonte..."

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