quinta-feira, 19 de maio de 2011

Romance Romântico Urbano - Manuel Antônio de Almeida

Manuel Antônio de Almeida era filho dos portugueses Antônio de Almeida e de Josefina Maria de Almeida. Enquanto fazia Faculdade de Medicina, as dificuldades financeiras o levaram ao jornalismo e às letras. Formou-se em Medicina em 1855, mas nunca exerceu a profissão.

De junho de 1852 a julho de 1853 publicou, anonimamente, os folhetins que compõem as "Memórias de um Sargento de Milícias", reunidas em livro entre 1854-55, em dois volumes, com o pseudônimo de "Um Brasileiro". Na 3ª edição, em 1863 - já póstuma - apareceu com seu nome verdadeiro.

Na mesma época, ele ainda escreveu a peça "Dois Amores" e a compôs versos esparsos. Além do romance, publicou a tese de doutoramento em Medicina e um libreto de ópera.

Em 1858 foi nomeado Administrador da Tipografia Nacional, onde conheceu Machado de Assis, que trabalhava como aprendiz de tipógrafo. No ano seguinte, foi nomeado 2º Oficial da Secretaria da Fazenda. Em 1861, quando se preparava para entrar em campanha como candidato à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro, faleceu no naufrágio do navio Hermes, próximo a Macaé (RJ).

Não estava interessado em sucesso nem na moda literária, por isso escreveu sem compromissos e apresentou, em tom direto, bem humorado e com tendências realistas, a sociedade de então, principalmente a gente simples que povoava o Rio de Janeiro. Seu romance fez sucesso pelo humor imparcial e amoral, o estilo coloquial e, principalmente, por seu grande talento como narrador.

Mesmo assim, a crítica só percebeu, muito tempo depois. Recentemente, alguns críticos, como Paulo Rónai, apontam como influência tanto na elaboração como nas características do protagonista, Leonardo, o romance espanhol picaresco e de costumes.


Memórias de um Sargento de Milícias

Análise da obra

O único romance de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias, publicado em 1852-53 sob a forma de folhetins, difere em muitos aspectos dos romances comumente publicados em folhetins do século XIX, o que explica sua fraca popularidade na época, e sua melhor aceitação na posteridade. O romance tem esse título por narrar a história de Leonardo Pataca, um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. Memórias de Um Sargento de Milícias é uma obra que contrasta com os romances românticos de sua época e possui traços que anunciam a literatura modernista do século XX, por várias razões. Primeiro, por ter como protagonista um herói malandro (Leonardo é o primeiro malandro da literatura brasileira), ou um “anti-herói”, na opinião de alguns críticos. Segundo, pelo tipo especial de nacionalismo que a caracteriza, ao documentar traços específicos da sociedade brasileira do tempo do rei D. João VIcom seus costumes, os comportamentos e os tipos sociais de um estrato médio da sociedade, até então ignorado pela literatura. Terceiro, pelo tom de crônica que dá leveza e aproxima da falasua linguagem direta, coloquial, irônica e próxima do estilo jornalístico.

O sentido profundo das "Memórias" está ligado ao fato de elas não se enquadrarem em nenhuma das racionalizações  ideológicas reinantes na literatura brasileira de então: indianismo, nacionalismo, grandeza, sofrimento, redenção pela dor, pompa do estilo etc. Na sua estrutura mais íntima e na sua visão latente das coisas, elas exprimem a vasta acomodação geral que dissolve os extremos, tira o significado da lei e da ordem, manifesta a penetração recíproca dos grupos e das idéias, das atitudes mais díspares, criando uma espécie de terra-de-ninguém moral, onde a transgressão é apenas um matiz na gama que vem da norma e vai ao crime.

Novela de tom humorístico que faz crônica de costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI. O romance reporta-se a uma fase em que se esboçava no país uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês.

Não há idealização das personagens, mas observação direta e objetiva. Presença de camadas inferiores da população (barbeiros, comadres, parteiras, meirinhos, "saloias", designados pela ocupação que exercem). Os personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, impulsionados pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social).


Foco narrativo

Memórias de um Sargento de Milícias é romance narrado em terceira pessoa, sendo um narrador-observador quem conta a história. O cinismo bem-humorado, as sistemáticas interferências nas situações sempre divertidas que relata, as ironias e as brincadeiras envolvendo costumes e personagens da época constituem alguns traços marcantes deste narrador, cujo juízo crítico a respeito do que vai documentando algumas vezes revela-se de forma claramente debochada.

Além de romper com a tradicional postura idealizadora do narrador romântico, em relação aos indivíduos e também à terra, o narrador da obra ora suprime etapas narrativas, ora transita da terceira para a primeira pessoa. Assim, ele assume uma cumplicidade de caráter metalingüístico com o leitor, o que significa um anúncio de procedimentos modernistas, também percebido nas conversas com o leitor e nos comentários jocosos que faz à propósito do que conta.



Enredo


Leonardo, o futuro sargento de milícias, filho de Leonardo-Pataca e de Maria -da-Hortaliça, é o resultado das pisadelas, beliscões e outros atos similares praticados pelo casal de imigrantes portugueses durante a travessia do Atlântico rumo ao Rio de Janeiro.

Maria-da-Hortaliça sente enjôos logo ao desembarcar e sete meses depois nasce um robusto menino, batizado com o nome do pai. A parteira - a comadre - e o barbeiro - 'de defronte' foram os padrinhos do herói, que passa junto aos pais os primeiros anos da infância. Leonardo-Pataca, que se tornara meirinho, confirma certo dia as suspeitas de que sua mulher não mantinha a mesma fidelidade que durante a viagem.

Em conseqüência, briga com ela, expulsa de casa o garoto com um enérgico pontapé e sai em busca de consolo. Ao retornar à tarde, em companhia do compadre e padrinho do menino, é informado de que Maria-da-Hortaliça, saudosa da pátria, tinha fugido e embarcado novamente, rumo a Portugal, a convite do capitão de um navio que partira pouco antes. Logo a seguir, Leonardo-Pataca vai viver com uma cigana, que, por sua vez, também o abandona.

Enquanto isso, Leonardo, o filho, adotado pelo padrinho, que muito se afeiçoara a ele, vai crescendo e a cada dia se revela mais briguento e travesso, prenunciando futuros envolvimentos com o famoso major Vidigal, que era o terror de todos os malandros e baderneiros da época.

O padrinho, com infinita paciência, tenta encaminhar o menino na prática da religião para qual este não revela grandes pendores. Coloca-o na escola e o ensina a ajudar a missa. Se na escola se revela um péssimo aluno e colega, na Igreja da Sé, onde consegue ser sacristão, vê a melhor oportunidade para grandes travessuras, como o experimenta o mestre-de-cerimônias. Este, um padre de meia idade, virtuoso por fora, mas bastante diferente por dentro, envolve-se com uma cigana, a mesma, aliás, com quem Leonardo-Pataca vivera depois da fuga de Maria-da-Hortaliça. O sacristão se vinga das reprimendas que sofre por suas constantes travessuras levando os fiéis a tomarem conhecimento dos fatos, o que faz com que seja expulso e deixe a igreja da Sé.

Para desgosto do padrinho e da madrinha, que queriam encaminhá-lo em uma profissão, Leonardo não demonstra qualquer interesse. Prefere a vida livre da vadiagem e das brincadeiras. Certo dia, em casa de Dona Maria, uma mulher das vizinhanças, conhece a sobrinha desta, Luisinha, sua futura mulher. Até que o casamento se realizasse, porém, muita coisa, iria acontecer. Leonardo-Pataca, depois de vencer o mestre-de-cerimônias na disputa pela cigana, é abandonado novamente por esta e passa a viver com a filha da parteira, Chiquinha. Daí nascem uma filha e grandes confusões, pois Chiquinha e Leonardo se detestavam e a parteira é chamada continuamente para serenar os ânimos. Por esta época aparece em cena José Manuel, um rival do futuro sargento de milícias em seu amor por Luisinha. Apesar dos esforços da comadre para afastá-lo do caminho, ela não tem sucesso. Além disso, a morte do padrinho e as contínuas brigas com Chiquinha fazem com que Leonardo saia de casa e passe a vagabundear pelos subúrbios da cidade, quando conhece Vidinha, uma mulata sensual, de olhos pretos e lábios úmidos, pela qual se apaixona imediatamente. Como Vidinha tinha outros pretendentes, cria-se grande confusão, o onipresente major Vidigal intervém e Leonardo consegue fugir, deixando-o furioso. Mas a vida continua e, com proteção da comadre, o Leonardo entra para as hostes do major Vidigal, não revelando, naturalmente, grande amor por esta nova profissão e passando boa parte de seu tempo na prisão por indisciplina. Sempre com a proteção da comadre, que recorre à ajuda de Maria Regalada, um antigo amor de Vigida, Leonardo supera todas as adversidade, chegando ao posto de sargento de milícias.

Assim, o final feliz se aproximava. José Manuel, o rival de Leonardo no amor por Luisinha, revela-se péssimo marido e, além do mais, morre providencialmente, deixando-a viúva e livre para casar com o sargento de milícias. Passando o tempo indispensável do luto, Leonardo, em uniforme da tropa, recebe Luisinha como mulher, na mesma igreja da Sé que fora palco de suas grandes travessuras como sacristão.

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